sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Raquetes e Talheres

Venho de uma família grande, daquelas típicas, que no verão iam para o Algarve, com bicicletas no capot e o carro atulhado até às costuras de barco de praia, raquetes, roupa para 2 meses, e nós, os putos, à balda lá pelo meio – na verdade, o cinto era dispensável quanto mais não fosse porque íamos rodeados de airbags improvisados.

Portanto, ir para a praia jogar às raquetes era qualquer coisa que fazíamos horas a fio, e que toda a gente sabia, nem se pensava nisso.
Quando a minha cara metade passou as primeiras férias de verão connosco confesso que fiquei baralhada. E contem lá a história de que o amor move montanhas, e tal, vá, se calhar até sim, mas acertar na bola, isso já não é para todos…
Acabei por desistir, convencida que era uma coisa dele… mas quando a versão júnior nos aparece na vida, e a coisa se repete… bolas!

De facto, mesmo em pequena, muitas das coisas que a miúda fazia deixavam-me confusa… não só mostrava dificuldade em memorizar canções e rimas, mas também parecia não automatizar alguns movimentos, como jogar raquetes, ou comer à mesa. Mas era capaz de passar uma tarde inteira a gastar rolos de fita cola para criar uma instalação artística no quarto, ou, com dois anos, ficar duas horas a ver o Fausto no Mezzo, fascinada... bons tempos!

Mas são estes detalhes que, apesar de estranharmos, não associamos à dislexia. Esta questão de automatizar procedimentos rotineiros não é linear. 
Se estão alerta, conscientes, corre bem, mas no segundo em que já estão focados noutra ideia, o corpo esquece o que estava a fazer e como deve fazer. Lá fica a faca virada ao contrário, ou a cortar o bife da maneira mais estapafúrdia que se possa imaginar. 

É que não é previsível, não é automático, pode mudar tantas vezes quantas as que puderem existir. É giro, lá isso é, mas caramba! Não podiam ser só um bocadinho mais iguais a mim, para variar? Mais rotineiros e formatados, mais dentro do sistema? Só assim de vez em quando…

Que digo eu, não é? Pois, é mesmo essa a grande vantagem da dislexia: descobrir mundos novos onde todos julgamos já ter visto tudo, procurar novas formas de o ver e refazer, descobrir soluções onde outros só vêm problemas.

Nestas minhas deambulações sobre o tema, descobri um livro que me pareceu valer a pena ter. Na verdade, procurava alguma literatura séria sobre como potenciar as vantagens da dislexia, e o título deste soou-me bem: The Dyslexic Advantage - Unlocking the Hidden Potential of the Dyslexic Brain, DR Brock L. Eide & Dr. Fernette F. Eide, ed. Hay House, 2011, USA.

Na altura, estava já a enjoar o discurso recorrente dos exemplos de génios, de famosos ou de milionários disléxicos, como Einstein ou Tom Cruise, Da Vinci ou Richard Branson. A mensagem geral parece ser: o tempo de escola é um sofrimento, mas há que passá-lo, quando fores adulto vais revelar-te e poderás então regozijar-te. 

Para mim estas ideias revelaram-se claramente insuficientes - explicar a uma criança que tem que sofrer uns ANOS é um conceito demasiado abstrato - o que é isso, anos? Acaba amanhã, ou quando for Natal? E, no meu caso, explicá-lo uma adolescente hiper consciente (que só foi sinalizada aos 12 anos), ainda pior! «Odeio a escola! Odeio ser diferente!»

Cá em casa professamos mais a teoria do momento: deveremos tornar o momento o melhor possível, dar o nosso melhor e aproveitar o que nos é dado. Perdoem-me o estrangeirismo, mas a melhor palavra que encontro é «ENJOY!». Portanto, vamos procurar outras alternativas para chegar ao dito.

O referido livro começa por abordar as diferentes teorias sobre a dislexia e a sua evolução no tempo. Agradou-me a recente teoria de Angela Fawcett e Roderick Nicolson, «Procedural Learning Theory», que refere não só os aspetos da linguagem mas também os diferentes sintomas comummente encontrados em pessoas disléxicas e que não estão diretamente relacionados com a fonologia e linguagem: as funções motoras e a coordenação. Lá está, raquetes e talheres! Afinal não inventámos nada, há mesmo outros sinais para além das questões fonológicas, que são comuns aos disléxicos.

Vou continuar a leitura…deixo-vos um excerto:

«Another strength of the procedural learning theory is that it predicts some of the advantages that we often observe in individuals with dyslexia. For example, while poor automaticity in routine skills makes many individuals with dyslexia slower and less efficient on routine tasks, it also forces them to approach these tasks with a greater “mindfulness” or task awareness and to really think about what they’re doing. As a consequence, we’ve found that individuals with dyslexia often innovate and experiment with routine procedures, and in the process find new and better ways of doing things.» (Eide & Eide, 2011)






3 comentários:

  1. Querida Sofia, estava aqui a lembrar-me do R. a fazer Tai Chi e não tenho memória de nada disto... Alguma ideia?

    Mais que nada, este comentário é também para dizer que te leio com muito prazer (e saudade também...).

    s.

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    1. Alô querida Sónia, obrigada pelo teu comentário. Sabes que o R. não é da mesma opinião, ou melhor, o que ele sentia não correspondia ao que tu se calhar vias. Segundo ele, muitas vezes estava 100% convencido de ter memorizado e de estar a fazer bem , e afinal chegava à aula e todos estavam a fazer diferente... mas cada caso é um caso, a R., por exemplo, nunca teve problemas de lateralidade, já o R. se eu digo no carro "vira à esquerda" tenho 50% de probabilidades de ir para a direita... :) BJnhs!

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  2. Aconselho também "The Gift of Dyslexia", Ron Davis.

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