Venho
de uma família grande, daquelas típicas, que no verão iam para o Algarve, com
bicicletas no capot e o carro atulhado até às costuras de barco de praia,
raquetes, roupa para 2 meses, e nós, os putos, à balda lá pelo meio – na
verdade, o cinto era dispensável quanto mais não fosse porque íamos rodeados de
airbags improvisados.
Portanto,
ir para a praia jogar às raquetes era qualquer coisa que fazíamos horas a fio,
e que toda a gente sabia, nem se pensava nisso.
Quando
a minha cara metade passou as primeiras férias de verão connosco confesso que
fiquei baralhada. E contem lá a história de que o amor move montanhas, e tal,
vá, se calhar até sim, mas acertar na bola, isso já não é para todos…
Acabei
por desistir, convencida que era uma coisa dele… mas quando a versão júnior nos
aparece na vida, e a coisa se repete… bolas!
De
facto, mesmo em pequena, muitas das coisas que a miúda fazia deixavam-me
confusa… não só mostrava dificuldade em memorizar canções e rimas, mas também
parecia não automatizar alguns movimentos, como jogar raquetes, ou comer à
mesa. Mas era capaz de passar uma tarde inteira a gastar rolos de fita cola
para criar uma instalação artística no quarto, ou, com dois anos, ficar duas
horas a ver o Fausto no Mezzo, fascinada... bons tempos!
Mas
são estes detalhes que, apesar de estranharmos, não associamos à dislexia. Esta
questão de automatizar procedimentos rotineiros não é linear.
Se
estão alerta, conscientes, corre bem, mas no segundo em que já estão focados
noutra ideia, o corpo esquece o que estava a fazer e como deve fazer. Lá fica a
faca virada ao contrário, ou a cortar o bife da maneira mais estapafúrdia que
se possa imaginar.
É
que não é previsível, não é automático, pode mudar tantas vezes quantas as que
puderem existir. É giro, lá isso é, mas caramba! Não podiam ser só um bocadinho
mais iguais a mim, para variar? Mais rotineiros e formatados, mais dentro do
sistema? Só assim de vez em quando…
Que
digo eu, não é? Pois, é mesmo essa a grande vantagem da dislexia: descobrir
mundos novos onde todos julgamos já ter visto tudo, procurar novas formas de o
ver e refazer, descobrir soluções onde outros só vêm problemas.
Nestas
minhas deambulações sobre o tema, descobri um livro que me pareceu valer a pena
ter. Na verdade, procurava alguma literatura séria sobre como potenciar as
vantagens da dislexia, e o título deste soou-me bem: The Dyslexic Advantage -
Unlocking the Hidden Potential of the Dyslexic Brain, DR Brock L. Eide & Dr.
Fernette F. Eide, ed. Hay House, 2011, USA.
Na
altura, estava já a enjoar o discurso recorrente dos exemplos de génios, de
famosos ou de milionários disléxicos, como Einstein ou Tom Cruise, Da Vinci ou
Richard Branson. A mensagem geral parece ser: o tempo de escola é um
sofrimento, mas há que passá-lo, quando fores adulto vais revelar-te e poderás
então regozijar-te.
Para
mim estas ideias revelaram-se claramente insuficientes - explicar a uma criança
que tem que sofrer uns ANOS é um conceito demasiado abstrato - o que é isso,
anos? Acaba amanhã, ou quando for Natal? E, no meu caso, explicá-lo uma
adolescente hiper consciente (que só foi sinalizada aos 12 anos), ainda pior!
«Odeio a escola! Odeio ser diferente!»
Cá
em casa professamos mais a teoria do momento: deveremos tornar o momento o
melhor possível, dar o nosso melhor e aproveitar o que nos é dado. Perdoem-me o
estrangeirismo, mas a melhor palavra que encontro é «ENJOY!». Portanto, vamos
procurar outras alternativas para chegar ao dito.
O
referido livro começa por abordar as diferentes teorias sobre a dislexia e a
sua evolução no tempo. Agradou-me a recente teoria de Angela Fawcett e Roderick
Nicolson, «Procedural Learning Theory», que refere não só os aspetos da
linguagem mas também os diferentes sintomas comummente encontrados em pessoas
disléxicas e que não estão diretamente relacionados com a fonologia e
linguagem: as funções motoras e a coordenação. Lá
está, raquetes e talheres! Afinal não inventámos nada, há
mesmo outros sinais para além das questões fonológicas, que são comuns aos
disléxicos.
Vou
continuar a leitura…deixo-vos um excerto:
«Another strength of the procedural learning theory is
that it predicts some of the advantages that we often observe in individuals
with dyslexia. For example, while poor automaticity in routine skills makes
many individuals with dyslexia slower and less efficient on routine tasks, it
also forces them to approach these tasks with a greater “mindfulness” or task
awareness and to really think about what they’re doing. As a consequence, we’ve
found that individuals with dyslexia often innovate and experiment with routine
procedures, and in the process find new and better ways of doing things.» (Eide
& Eide, 2011)
Querida Sofia, estava aqui a lembrar-me do R. a fazer Tai Chi e não tenho memória de nada disto... Alguma ideia?
ResponderEliminarMais que nada, este comentário é também para dizer que te leio com muito prazer (e saudade também...).
s.
Alô querida Sónia, obrigada pelo teu comentário. Sabes que o R. não é da mesma opinião, ou melhor, o que ele sentia não correspondia ao que tu se calhar vias. Segundo ele, muitas vezes estava 100% convencido de ter memorizado e de estar a fazer bem , e afinal chegava à aula e todos estavam a fazer diferente... mas cada caso é um caso, a R., por exemplo, nunca teve problemas de lateralidade, já o R. se eu digo no carro "vira à esquerda" tenho 50% de probabilidades de ir para a direita... :) BJnhs!
EliminarAconselho também "The Gift of Dyslexia", Ron Davis.
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