terça-feira, 20 de maio de 2014

Carta aberta aos professores

Caríssima(o)s professora(e)s,

Quero agradecer-vos por me lembrarem a urgência de falar sobre dislexia. Quero agradecer-vos não me deixarem cruzar os braços e ter a veleidade de achar que cumpri a minha missão enquanto mãe e encarregada de educação. Erro crasso da minha parte, este, de julgar que poderia descuidar o apoio à minha filha, tanto que me informei e tanto que soube de especialistas na matéria, todos unânimes que um estudante com dislexia tem que ser apoiado sempre e ao longo de todo o seu percurso escolar.

E porque sabemos que a boa vontade não chega, há que esclarecer, interrogar, informar, informar, informar.

Quando me dizem «o teste era fácil, não percebemos porque a sua filha não conseguiu…», torna-se por demais evidente que não está claro o que é a dislexia.

Por isso, mais uma vez reforço, uma pessoa com dislexia tem um quociente de inteligência normal ou superior à média. Ou seja, tem as suas capacidades cognitivas em perfeita saúde! O que significa que não precisa de perguntas fáceis nos testes, nem de palmadinhas nas costas nas aulas, nem de atitudes paternalistas, vulgo «coitadinho».

O problema de uma pessoa com dislexia é não ter nenhuma bengala, nem óculos, nem cadeira de rodas, nem nenhum outros sinal exterior que permita a identificação imediata e compreensão da sua singularidade. Porque todos somos humanos, logo, todos temos mais facilidade em aceitar o que vemos do que o que não vemos.

E a dislexia não se vê.

Mas também a gravidade não se vê, e ninguém a questiona. Nem a electricidade. Nem o gás. E porque não os questionamos? Porque foram comprovados cientificamente. Logo, são aceites.

Também a dislexia tem sido comprovada cientificamente, apenas não é ainda ensinada nas escolas. E, infelizmente, nem aos professores, que com ela lidam diariamente. Como tal, é uma matéria desconhecida para a maioria, e causa estranheza. Tal é a formatação em que vivemos, que tanta dificuldade temos em integrar a diferença e, em vez de a vermos como riqueza, vemos como estranheza.

Mas continuando a explanar sobre dislexia, permitam-me estabelecer aqui um paralelismo que, mesmo correndo o risco de menos correto, facilita seguramente a sua visualização:

Há pessoas que são míopes, ninguém questiona. A miopia, distúrbio visual, também não se vê. Mas quem a tem, sente-a. E mune-se de um objecto que permite, não curá-la, mas ultrapassar a sua dificuldade de visão. E esse objecto é visível pelos outros. Logo, a reacção dos outros é consideravelmente diferente. Nenhum professor irá dizer: «Não percebo porque o aluno não respondeu às perguntas do quadro, eram tão fáceis…» quando sabe que o aluno é míope e, nesse dia, tinha partido os óculos. Nenhum professor põe em causa as competências cognitivas do aluno, quando sabe que a sua dificuldade naquele momento se prendeu com um elemento externo que aconteceu estar inoperante nesse episódio.

Salvaguardando as óbvias diferenças, que são muitas, vamos lá a esclarecer: numa pessoa disléxica, os elementos fracturantes podem ser muitos. A sua dificuldade de aprendizagem prende-se com um formato diferente de assimilação e de memorização dos conteúdos, de descodificação dos códigos escritos, e da forma como vai «repescar» a informação armazenada no cérebro. Ou seja, como recorre a diferentes circuitos neurobiológicos, demora mais tempo a ir buscar a informação que deseja e está sujeito a diversos factores de bloqueio que lhe impedem de fazer esse percurso.

Estes factores de bloqueio nada têm que ver com o grau de facilidade ou dificuldade das avaliações ou das tarefas exigidas, prende-se sobretudo com um esforço 5 vezes maior que o de qualquer outra pessoa sem dislexia, em ir buscar essa informação. Esse esforço exigido pode ser, em si, um factor de bloqueio, se houver em coincidência qualquer outro factor externo perturbador. Não é por acaso, nem em vão, que o Decreto Lei n.º 3 permite os testes individualizados, e as turmas reduzidas. Os alunos com dislexia precisam de um contexto tranquilo para executarem essa tarefa 5 vezes mais exigente de irem buscar informação.

Portanto, sim, é normal que haja bloqueios e que o seu esforço de estudo, o seu empenho, as suas expectativas, se vejam logrados. Também é normal que se sintam frustrados, assim como os professores e pais, que sabem bem todo o esforço empreendido na tarefa, tanto do aluno como deles.

O que fazer? Primeiro que tudo, cumprir com o pouco que a legislação nos dá neste sentido: testes individuais, assegurar um ambiente de tranquilidade, e um constante reforço positivo – factores que, aliás, deveriam estender-se a qualquer aluno.
Depois, aceitar que o mundo é plural, e também o somos todos nós.

E a seguir, nos exames? Sim, aqueles exames que permitem que um aluno com falta de visão leve óculos, mas não permite que um aluno com dislexia tenha a mesma equivalência nos auxiliares que precisa… Pois… Esses exames lá estarão, e terão que ser ultrapassados, claro. A melhor forma será munindo os alunos de toda a confiança e auto estima que precisam. Esse é o passo mais flagrante para o seu sucesso. Miná-lo é criar bloqueios que podem terminar com abandono escolar, no melhor dos cenários.

É preciso vermos estes desafios como oportunidades para nos melhorarmos enquanto pais e enquanto professores. Precisamos de um acurado trabalho de equipa.

Aos pais, compete-lhes assegurar todos os estímulos e apoios técnicos para o seu filho, assegurar um ambiente de motivação, de regras e de apoio emocional, para que o aluno seja, no seu todo, uma pessoa íntegra, completa, emocional e psicologicamente equilibrada e feliz. Aos professores e à escola compete-lhes assegurar que toda a legislação prevista seja aplicada e cumprida, recorrendo ao apoio e informação dos técnicos especialistas na matéria, que com eles devem colaborar.

A todos cabe a tarefa de uma comunicação aberta, clara, e permanente, de forma a podermos todos crescer e aprender em conjunto.


Obrigada por mais esta aprendizagem.

6 comentários:

  1. Gostei muito da tua intervenção e análise nesta carta aberta aos professores.
    Irei divulgá-la pelos meus amigos pais, professores, psicólogos e psiquiatras.
    Obrigada.

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  2. Deixo aqui o endereço do blog deste colega:
    http://inclusaoaquilino.blogspot.pt/2014/03/os-alunos-dislexicos-e-as-provas-ou.html
    E também esta norma do Júri Nacional de Exames:
    file:///C:/Users/Mize/Downloads/norma_02_2013_corrigida_versao_final_completa%20(2).pdf

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  3. E como a dislexia também a PHDA e outras "caracteristicas" como estas, tão diferenciadoras como os óculos, o aparelho nos ouvidos, etc.....
    Lamentavelmente muitos professores não estão preparados para lidar com "esta" característica e dada a complexidade e o esforço que têm que fazer para arranjar NOVAS estrategias, preferem associa-las a irreverencia, falta de educação, atrasos cognitivos......
    Cartas sobre estes temas são emergentes.......
    Obrigada pelo contributo

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    1. Não podemos/devemos julgar de uma forma tão negativa esses professores que diagnosticam alguns alunos PHDA, como referiu, temos que ter em conta que alguns diagnósticos feitos por pedopsiquiatras, algumas vezes pecam em dizer que certos alunos são portadores desta deficiência, sujeitando as crianças à toma de medicação, muita dela em doses exageradas.
      Quanto à carta desta mãe, achei muito pertinente e vai poder alertar algumas escolas deste País que não têm docentes de educação especial, para poderem reeducar estas crianças, colmatando com estratégias apropriadas a alunos com Dislexia.

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