quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

4º passo - o banco dos réus

Tenho sempre aquela sensação de culpa quando estou dentro do carro, à espera que fique sinal verde e, lentamente, me surge um carro da GNR que pára mesmo ao meu lado, com 2 figurões de óculos escuros, que me olham fingindo que não olham. Nada a fazer, assolapa-me aquele subtil formigueiro no estômago, tramado, que teima em permanecer enquanto revejo mentalmente todas as confirmações de que não estou em nenhum incumprimento da lei, tenho a carta, o livrete está ali, paguei o seguro,..., tudo ok, e tento persuadir-me de que estou inocente, mesmo sabendo que na verdade sou mesmo inocente!?!

É igual. No dia em que pedimos a abertura do processo para que os nossos filhos sejam sinalizados na escola por alguma dificuldade de aprendizagem ou outra, assinamos a sentença e, inevitavelmente, teremos que nos sentar no banco dos réus e sentir o tal formigueiro.

Não basta a dificuldade em si, a luta diária para tentar compreender algo para o qual não estamos nunca suficientemente preparados, a impotência que constantemente sentimos por não conseguirmos aniquilar uma característica que, assim de repente, nos parece uma barreira intransponível. Não basta. A sociedade faz-nos o favor de nos presentear com muito mais. Na melhor das intenções, seguramente, como será na melhor das intenções que a polícia patrulha as estradas, claro, para prevenir e/ou remediar. Espera-se.

Ainda assim, ainda que seja para isso que nos sentamos numa sala de reuniões banal, numa escola banal, numa cadeira banal, com 5 ou 6 profissionais dos quais sempre desconhecêramos a existência e que nunca mais viríamos a ver, profissionais esses muito condescendentes e sorridentes, ainda assim, ou precisamente por isso, o tal formigueiro tramado instala-se.

E percebemos o que sentem os nossos filhos, ao serem escrutinados num interrogatório aborrecido e, por vezes, um pouco melindroso e, também por vezes, um pouco humilhante.

Somos inocentes, caramba! Não somos é todos iguais. É preciso ter licença, para ser diferente? Uma autorização decretada por uns estadistas-gravatinhas? Chatice! Batatas e agrião, como dizia o Sr. Toupeira.
É só o que apetece dizer, batatas e agrião! Couves e chouriço!

Mas não, lá respondemos ao questionário, lá aguentamos com a avaliação da miúda, e a nossa, enquanto entidade parental. Sempre sorridentes, os profissionais condescendentes, e nós sempre a pensar «Estão a tomar demasiadas notas, o que é que terei feito de errado? O que é que falta? O que é que terei dito mal? Ou menos bem? Parecemos excessivamente protetores? Ai, agora parecemos descuidados. Ai!»

Mas bom, são só algumas sessões, a maioria só com 1 profissional, e a diretora de turma, sempre amável e presente. E nunca percebemos bem ao que vamos. E levamos a miúda? E não levamos? «Como preferir, mãe», dizem, como quem está a dizer outra coisa, insondável, como quem diz: até nisso a vamos avaliar.
E levamos. Ah, bolas, se calhar era melhor não ter vindo, coitada. Que seca! E ter que ouvir assim, de chofre, assim no papel, todas as suas (in)capacidades, tudo o que é e não é, tudo o que consegue e não consegue, assim, de forma tão crua e tão redutora, assim se avalia uma pessoa num escrutínio meramente intelectual. E se enxofram uns pais, que só têm vontade de deitar tudo às urtigas, pegar na miúda e não mais voltar a este universo que se afigura cruel. E ficamos a pensar se escolhemos o bom caminho, o menos mau, o que tinha que ser, ou sei lá. Sabemos lá.
Para a próxima não vem. A miúda. Ah, chatice, afinal era para ter vindo.... Alho francês e hortelã!

E aguentamos. Com o formigueiro. Se a miúda aguentou, não houvéramos nós de aguentar, pois então?

E o carro da GNR passa, lento, mas passa.
Ufa, desta correu bem. Vamos à próxima. Mas sempre atentos, ainda assim...




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